quinta-feira, 26 de março de 2009

A formiga.

Ontem fartei-me. Fartei-me do escritório e das prateleiras do escritório e do computador no escritório. Desliguei-o. Trouxe-o para a sala. Trouxe também alguns papéis. E é como se tivesse mudado de continente. Estou a trabalhar na sala. Até que me farte da sala. E faça as pazes com o escritório. Ou mude mesmo de continente. Mas quando mudei do escritório para a sala houve quem tivesse mudado comigo: uma formiga. É preta e ontem reparei nela sobre o branco dos papéis que viajaram comigo na mudança. Depois fartei-me do trabalho. E mudei de tarefa. E saí. E fui jantar. E encontrei gente. E conversei. E regressei. E deitei-me. E dormi. E hoje acordei. E arranjei-me. E voltei à sala. E voltei a ligar o computador.
Tanta coisa apenas entre ontem e hoje. Um universo de coisas. E agora reparo nela: na formiga. Continua em cima dos papéis da mesa da sala. Esses papéis que na minha indisposição transferi com a formiga do escritório para a sala. Parece desorientada, ela. Percorre os papéis e depois percorre a mesa e depois percorre os papéis e depois pára sobre as letras como se o preto das letras fosse o preto das outras formigas. E quando percebe que o preto das letras não é o preto de outras formigas: volta a caminhar: papeis, mesa, papeis. Sempre a caminhar. Está sozinha, a formiga.
A minha mudança do escritório para a sala foi a metáfora duma mudança de continente. Será a formiga uma metáfora de nós, de mim?

1 comentário: