domingo, 14 de junho de 2009

Irão e Razão e Emoção.

Tenho falado com alguns iranianos na Europa. Nenhum deles é conservador. Nenhum deles apoia Ahmedinejad.

Se queremos perceber o que se passa no Irão: temos de fechar os nossos olhos ocidentais. Temos de tentar perceber os acontecimentos sob o ponto de vista do outro. E há um aspecto em que nós ocidentais somos como todos os outros, por muito que ainda achemos que não: somos muito emotivos e pouco racionais.

M. é um iraniano que bebe cerveja e que come a carne proibida e que se afirma muçulmano de tradição mas não de prática. Uma atitude bem europeia, portanto. Está a fazer um doutoramento na Europa. É apoiante de Musavi. Quando lhe perguntei o que acha do negacionismo de Ahmedinejad: respondeu-me de imediato que não concorda com o presidente. Mas pensa que qualquer pessoa deve ter o direito de negar a dimensão do holocausto. “Eu não nego o holocausto. Acho mesmo que é uma tremenda ignorância histórica fazê-lo”, diz. “ Mas por que é que a Europa acusa o Irão de falta de liberdade de expressão e em grande parte dos países europeus prendem quem negar o holocausto?” Touché.

A grandeza de outrora e que foi a do Império Persa brilha nos olhos de todos os iranianos com quem falo. E essa é a promessa que Ahmedinejad tem feito: uma afirmação internacional de posições nacionais. Nenhum iraniano me parece imune a este apelo que vem do seu inconsciente histórico. E a promessa de transformar o Irão numa potência nuclear é só uma delas. A outra é conseguir ter todo o mundo contra. É muito soberano: ter o mundo quase todo contra. Poucos impérios se podem dar ao luxo de ter um “outro relevante” com essa dimensão. E por muito que a razão aponte outras vias: há sempre o apelo emocional.

Ainda ontem estive num grupo onde M. estava. A talhe de foice falamos de Portugal. E falamos da nossa presença no Oriente e nomeadamente no seu país. E ele nomeou Ormuz. E foi impossível não vislumbrar um brilho nos olhos de todos os portugueses que participavam da conversa. M. não interferiu nesse brilho dos olhos portugueses: mas tento perceber qual seria a reacção do grupo se M. tivesse sido menos diplomático: se tivesse falado da nossa expansão como quem fala dum crime. E se assim tivesse sido: não duvido nem um instante: os argumentos que nos foram ensinados em décadas de propaganda historiográfica surgiriam à flor da pele. E lá estaríamos todos a apresentar a M. a clássica argumentação do Império benigno.

Ainda assim e mesmo sem a provocação de M.: lá se foi falando do Império. E alguns acusando a Inglaterra de nos ter traído. E outros acusando a Espanha. E nenhum pondo em causa a legitimidade própria do império.

É que nós somos como todos os outros: muito emotivos e pouco racionais. E eu dou comigo a pensar como seriamos hoje. Como seriamos hoje se tivéssemos as segundas maiores reservas mundiais de petróleo e gás natural? E se tivéssemos a Espanha e o Reino Unido e muitos outros dependentes da nossa produção? Acredito que muitas humilhações históricas que agora são apenas murmuradas ribombariam nos nossos ouvidos. Que muitos ultimatos seriam recordados. Que muitos políticos explorariam esses amargos de boca. E que provavelmente ganhariam eleições, esses políticos.

Queiramos ou não (e eu não queria) o discurso de Ahmedinejad tem muito eco nos iranianos. Independentemente de Ahmedinejad ter sido o escolhido de 63% dos iranianos ou de 45%.

E talvez em todo o Ocidente nós portugueses sejamos dos mais habilitados a perceber o que se passa no Irão. Nós e talvez os austríacos. Por razão da emoção.

2 comentários:

  1. Gostei muito do texto.... só não concordo com a frase de final de nos comparar aos austríacos por razões da emoção... quando muito por razões de impérios perdidos!
    MGS

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  2. A minha comparação à Austria está relacionada com a percepção que tenho daquele país: um país que foi centro dum grande império e agora é um pequeno Estado de oito milhões de habitantes. É claramente um país à procura de vocação. Coisa que nós também somos e por razões muito parecidas.
    Dois cartazes turisticos que vi em Viena dizem tudo da Austria: "Sorry. We don't have Emperors. Only their jewels" e "At least our horses are aristocratic".
    A busca de vocação e a nostalgia dum passado em que foram grandes. Uma grande semelhança com o nosso caso. No que respeita aos traços psicológicos de cada povo: essa é outra questão.

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