quarta-feira, 14 de julho de 2010

Em Iquitos, entrando na Amazónia.

Sensação estranha: ver a mãe de água do mundo. Pai deverá ser. À floresta se une e fêmea é; esta. Amazonas.

Aeroporto. “Ali já é o Amazonas?”. “Não, aí é apenas um braço”, o taxista. Depois Carlos, o guia. Sangue índio nas veias: muito. Com ele entrarei na selva. Comeremos do que a selva nos der. Do que o rio nos deixar apanhar. “São deliciosas, as piranhas”; Carlos o guia.

Computador: não. Telefone: ainda menos; não há rede. Dormir será na selva. “Quando dormir não se encoste à rede mosquiteira que os morcegos aproveitam imediatamente e sugam-no”; Carlos o guia.

A mística: há uma mística nesta selva. Freudiana será: penetrar no que dificilmente é penetrável. Ou talvez um regresse uterino: a selva é mãe de vida.

Ainda Iquitos, contudo. De selva só amanhã. Plaza de Armas. “Amazon Café Restaurante”. Varanda com vista para a Praça. “Quero comida típica da selva”. “Lagarto Senhor? Crocodilo? Tartaruga?” Ainda não me sinto preparado. “Não, isso não”. Penso: “talvez quando regressar da selva”. Um peixe do rio.

Toda a casa do restaurante é em ferro. Oitocentista excentricidade. Alguém a trouxe parede-por-parede e parafuso-por-parafuso de França. Eiffel a concebeu. Lá em baixo tem uma placa a explicar o que estranhamente aqui faz esta casa de ferro de França trazida . Explica até como veio aqui parar. Tento lembrar-me. Não me lembro. Também não é importante: não estou a fazer um guia de Iquitos; um percurso. Só me interessa o meu guia mental; o percurso dos meus pensamentos. É para mim que escrevo, sempre.

Varanda do Amazónia Café. Ruído dos moto-taxis. Centenas deles. Não estivera com o Amazonas já ali e esta seria a maior excentricidade local. E vão eles. Metáfora de rio: Iquitos abaixo. E vão eles. Metáfora de gente: minúsculos mas irritantemente barulhentos. O rio não que esse é grande. E silencioso, até. Talvez porque grande. E assim fica a gente sem metáfora no rio e com metáfora nos táxis que são motas.

Da minha mesa olho pela varanda. A Plaza de Armas. A minha cabeça não que essa já está na selva. “Que ruídos serão os da selva quando o dia se põe e a noite se faz noite?” Amanhã já saberei. “Pássaros certamente”. Amanhã saberei. “O arrastar da anaconda. Será audível?” Amanhã saberei, talvez.

Chega o peixe. Dentro folhas cozinhado. Mais tarde Carlos o guia explicar-me-á que não: não são folhas de bananeira. Puta de mania de tudo tentar adivinhar. Ensina-me Carlos: "É uma folha que acrescenta sabor ao sabor do peixe e sabor ao sabor da cebola e do tomate e do alho". Carlos diz-e o nome da folha Não me lembro. O peixe tem nome e a esse apontei-o: Fibaro. E não, isto que parece mesmo batatas fritas não é batata frita. Patacoles se chamam: com banana esmagada e frita se fazem. Misturam-lhe alho, claro. Os fios de palmito na salada… e como. Não sobra.

Vejo os rostos que passam na rua. Aqui são mais angulosos. Nos Andes arredondam-se. São belezas diferentes. Como se os ângulos da montanha tivessem de ser arredondadamente compensados pela gente. Como se em gente angulosa a planura da selva seu equilíbrio procurasse também. E assim o que a montanha dá o homem lhe devolve. E assim o que o Homem dá a selva lhe devolve. Equilíbrios que seriam eternos. Que talvez sejam. Afinal o futuro está ainda por escrever.

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