quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

SETOR PÚBLICO E OLIGOPÓLIO NA ECONOMIA GLOBAL





Quando 40% das vendas mundiais são controladas por apenas 147 empresas, não há como argumentar com a excessiva dimensão do Estado para atacá-lo por ineficaz.

Pertenço a uma geração que cresceu sob uma intensa campanha promovida por comentadores, académicos e outros fazedores de opinião. Diziam-nos que o Estado era mau gestor e que a explicação era muito simples: Não pertencia a ninguém, não tinha concorrência e era grande de mais para ter controlo.

Propriedade e concorrência seriam os dois catalisadores capazes de levar qualquer atividade à eficiência, com vantagens óbvias para o consumidor, essa entidade em que, gradualmente, se metamorfoseava o cidadão.

Está mais do que estudada a conjugação de interesses que levou a formatar uma geração para viver de acordo a este modelo e problematizar esse tema não é, por agora, o meu objeto. Não resisto, contudo, a dizer que tornar as universidades excessivamente dependentes do mercado, as transforma em centros de pensamento monolítico, incapazes de produzir qualquer contraditório científico ou humanístico. Diga-se também que a concentração dos meios de comunicação conduziu ao mesmo.

O que sim quero abordar são os fundamentos com que se atacou o Estado e se justificou o seu emagrecimento bulímico, com a consequente entrega a privados de quase todos os serviços públicos.
Comecemos pelo putativo monopólio estatal. Em primeiro lugar, trata-se dum problema que ocorreu, sim, mas no mundo empresarial dos nossos dias. Eu sei que há autoridades da concorrência para evitá-lo e, por exemplo, todos estamos lembrados de que, em finais dos anos 90, a Autoridade da Concorrência vetou a compra da CENTRALCER pela UNICER.

Esquecemo-nos que a regulação dos Estados funciona nacionalmente e os casos em que a OMC intervém à escala global são reduzidos e muito circunscritos. Hoje em dia é quase anedótico que a autoridade portuguesa da concorrência tenha impedido esta fusão, quando já temos consciência da concentração que se verifica no mercado global. Um estudo efetuado em 2011 por três investigadores da Universidade de Zurique veio demonstrar que a economia global estava controlada por um reduzido grupo de apenas 1.318 empresas, que detinham 40% das vendas mundiais. O pior é que este grupo é controlado por outro ainda mais restrito: nada mais do que 147 megacorporações de topo. Cinco anos depois deveremos ter uma concentração ainda maior. 

A quem queira comprovar empiricamente esta realidade, basta percorrer as prateleiras dum supermercado e contar pelos dedos os produtos que não são, direta ou indiretamente, controlados por uma das seguintes marcas: Mondelez, Kraft, Coca-Cola, Nestlé, Pepsico, P&G, Johnson&Johnson, Mars, Danone, General Mills e Kellogg’s. E o que se passa com os bens de consumo, passa-se de igual maneira noutras áreas essenciais: Comunicação social, companhias aéreas, bancos, industria automóvel etc. (ver dados aqui)

Quando 40% das vendas mundiais são controladas por apenas 147 empresas, não há como argumentar com a excessiva dimensão do Estado para atacá-lo por ineficaz.

É certo que estas empresas são privadas e o Estado não, e por isso aplica-se-lhes o segundo axioma: São de alguém. Hoje em dia, essa é outra falsa questão. Quem sabe dizer a quem pertencem as megacorporações? Sim, eu sei, pertencem aos acionistas. E quem são esses acionistas? Investidores anónimos que já não estão interessados no valor que as empresas possam gerar, mas na especulação das suas ações, nem que para isso provoquem destruições de valor de dimensão bíblica. Sabemos que a recente crise se deveu em grande parte a uma gestão empresarial orientada a obter resultados imediatos no mercado bolsista.

Um insustentável peso e a inexistência de concorrência são, assim, as outras duas causas duma alegada ineficiência do Estado, que hoje se aplicam mais ao setor privado do que ao público. 

O reforço da democracia e uma cidadania cada vez mais livre, mais informada e reivindicativa, fizeram com que nas últimas três décadas assistíssemos à implementação de mecanismos muito apertados de controlo do Estado. Os princípios orçamentais, os tribunais de contas, oposições atuantes, a vigilância de organismos supranacionais como a União Europeia… Tudo isto conduziu a que políticos e funcionários estejam hoje sujeitos a um controlo muito estrito e difícil de contornar. Por outro lado, o setor público emagreceu imenso, devido às privatizações, à transferência de serviços  para privados, às APPs etc.

Como consequência, hoje temos um Estado debaixo de lupa e com uma dimensão muito reduzida, ao mesmo tempo que, no terreno privado, as doutrinas desregulatórias de Reagen e Thatcher se foram universalizando e a globalização permitiu um desmapeamento de empresas e capitais que torna impossível qualquer controlo. 

Paradoxalmente, a situação e os argumentos inverteram-se: se compararmos com quatro décadas atrás, os Estados são hoje como eram os Empresas e as Empresas como eram os Estados. Não são controladas, têm uma dimensão superior à boa gestão, crescem sem concorrência e não são de ninguém. É essencial regulá-las, acabar com oligopólios, encontrar mecanismos que não lhes permitam crescer até à dimensão que têm e fazer com que voltem a ter dono. Devíamos pensar em reforma-las antes de propagarmos doutrinas neoliberais e, sobretudo, antes de privatizar mais e mais serviços públicos. 


Luis Novais

Foto: geralt

 


 

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