segunda-feira, 28 de março de 2016

CRIME EM ANGOLA, CUMPLICIDADE EM PORTUGAL




Desta vez não aceito o silêncio do Governo, do Presidente e da Assembleia do meu país. As posições difíceis são as que separam estadistas de oportunistas e eu, que nunca acreditei muito num Presidente Pepsodente, todo sorrisos e afetos, estou à espera de ser surpreendido.

Sou daqueles que consideram dever evitar-se a todo custo qualquer ingerência num sistema que, apesar de ter defeitos, funcione. Ainda recentemente tivemos o resultado da adesão dos governantes europeus à tempestade Árabe, tão apressadamente apelidada de “Primavera”. No caso da Líbia, a loucura atingiu limites dignos de hospício, com a agravante de que os loucos tinham capacidade para bombardear e destruíram uma administração cheia de defeitos, sim, mas criando em troca uma ausência de regime que abriu caminho a um Daesh que agora nos rebenta, se não nas mãos, nos aeroportos e nos metropolitanos.

O nosso modelo de democracia dita representativa é suficientemente defeituoso para que não dedique o meu tempo a criticar os outros e, além do mais, desculpem o egocentrismo, mas é o meu e é onde vivo.

Se não tenho a soberba universalista, tampouco sou relativista. Nisto, como em muitas outras coisas, julgo que a resposta está nas antípodas de qualquer solução radical ou, se quiserem, fundamentalista. Acompanho Bimal Matilal (1935-1991) quando procurava uma resposta intermédia entre os dois extremos, distinguindo um padrão moral mínimo, universal, e um código ético, ambiental.

Se este é o eixo que conduz a minha visão de relações inter-culturais, tenho outra guia que é aceitar que Roma e Pavia não se fizeram num dia e há processos que são muito complexos; uma constatação que deve levar à aceitação intelectual de certas idiossincrasias, desde que a direção geral da caminhada vá no bom sentido. 

Era nesta perspetiva que, para mim, Angola estava no bom caminho. O sistema era cleptocrático, mas, lá está, se quero dedicar-me a esse tema não me falta matéria no meu próprio país, continente e hemisfério. Havia corrupção, mas continuo a considerar que o país mais corrupto do mundo é aquele onde as campanhas eleitorais são mais dispendiosas, convicção que está relacionada com o mesmo desgosto que tive quando soube que afinal não era o menino Jesus quem, benemerente, punha as prendas no sapatinho, que lá em casa éramos tradicionalistas e o velhote gordo e barbudo foi personagem que nunca entrou no nosso imaginário. Por último, Angola é um país rico onde a população não tem acesso a cuidados básicos, mas então que dizer da assistência médica em algumas das nações deste hemisfério norte em que nascemos?

Duma guerra civil, este país avançou para a paz; duma ditadura, para uma democracia ainda que imperfeita (como todas); duma economia de guerra para uma economia de circulação. Eram passos positivos, era uma caminhada na direção certa, e isso fazia-me compreender a precaução dos governos portugueses quando o tema era Angola. Além de que havia interesses nacionais que, bem vistas as duas faces da moeda, justificavam vista grossa sem que o pecado fosse grande, até porque telhados de vidro também não nos faltam.

Nesta caminhada que era positiva, acabamos de assistir a um grande recuo: O regime (não nos enganemos, não foi a Justiça) condenou hoje 17 jovens que, nas palavras de Pedro santos Guerreiro no Expresso Diário, “não mataram nem matariam, não eram terroristas nem bombistas nem letais anarquistas nem raptores nem corruptores nem violadores. Eram ativistas. Eram idealistas.” Um deles, Luaty Beirão, é também português e levou uma pena superior a 5 anos.

Desta vez não aceito o silêncio do Governo, do Presidente e da Assembleia do meu país. As posições difíceis são as que separam estadistas de oportunistas e eu, que nunca acreditei muito num Presidente Pepsodente, todo sorrisos e afetos, estou genuinamente à espera de ser surpreendido.



Luís Novais


Foto: É tão ilustrativa que não resisti à tentação de roubar esta gravura do Expresso Diário. Espero que me perdoe o seu autor, Mário Henriques

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